18.5.06

Mais louco é quem me diz...

18 de maio: Dia Nacional da Luta Antimanicomial e aniversário do meu professor.

Contemplando as duas comemorações, apresento uma crônica que se relaciona à luta antimanicomial e foi publicada há mais ou menos um ano na revista Paradoxos, cujo editor-chefe é o aniversariante.

- Quem eu?

- Não, Napoleão.

Por Mariana Raphael

“Louco é o Bush”. Era o que se podia ler em uma faixa segurada por dois usuários de uma instituição especializada em saúde mental. Esta história começa do final; se não estivesse de trás pra frente, o sentido dos dizeres estaria subentendido. Mas faltaria o gancho para esta mais-ou-menos-crônica discutir a loucura da maneira pretendida.

A cena ocorreu em Porto Alegre, durante o V Fórum Social Mundial (onde há quem diga que só tem maluco). Os rapazes que a protagonizaram são repórteres-produtores-locutores do Maluco Beleza, um programa de rádio produzido pelos usuários do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, em Campinas, com o acompanhamento dos jornalistas Rita Hennies e Régis Moreira. A faixa foi o arremate perfeito para a oficina na qual o grupo compartilhou sua experiência com os participantes do Fórum.

“Louco é o Bush”. Será que a hipótese procede? O senhor Buarque de Holanda nos oferece seis sentidos para o verbete "loucura". Considerando o primeiro deles, "insanidade mental", analisemos alguns elementos: uma guerra “preventiva” e uma para caçar invisíveis armas de destruição em massa. É, talvez não seja loucura e sim ambição desenfreada, desgovernada (ou muito bem governada).

Que tal a afirmação de que a democracia será implantada, mesmo que seja à força: paradoxo, arrogância ou pura maluquice? E o investimento em políticas de abstinência sexual no combate à Aids? A não-aderência ao protocolo de Kyoto?

Acho que estamos nos aproximando (quase metodologicamente) da confirmação da hipótese. Consideremos então estes outros possíveis sentidos para o termo "loucura": "falta de discernimento; irreflexão, absurdo, insensatez" e "imprudência". Resta alguma dúvida? Dá pra imaginar Seu George cantando no chuveiro: “Eu juro que é melhó-or não ser um norma-a-a-al se eu posso pensar que Deus sou eu” (os amantes da música brasileira me perdoem, mas não dava pra perder a piada – nem o trocadilho).

Deixando a doidice um pouco de lado... O Maluco Beleza é veiculado uma vez por mês na Rádio Educativa de Campinas. Toda semana o grupo reúne-se para discutir pautas e outras questões relacionadas à sua produção; a programação inclui entrevistas, enquetes, análises de notícias, imitações e músicas. Em 2005, os repórteres fizeram a cobertura do Fórum pela segunda vez, começando o trabalho já na fila de credenciamento de imprensa.

Na oficina, o jornalista Régis explicou que o projeto permite a livre comunicação e expressão de seus participantes, o que auxilia no tratamento (os médicos e psicólogos devem ter uma lista de benefícios terapêuticos a acrescentar). Luciano contou que tem esquizofrenia e que não teve nenhuma crise desde que começou a participar do programa. Resolveu fazer cursinho após dez anos sem estudar e passou no vestibular. Vai cursar jornalismo. Talvez um dia escreva textos litero-jornalísticos malucos como este.

As irônicas brincadeiras envolvendo o conceito de loucura, feitas pelo grupo, não se restringem à (in)sanidade do presidente dos Estados Unidos, nem ao nome do programa e à música do Raul Seixas, que toca na abertura. Algumas são mais sutis, como a autodenominação de Silvana como “loucutora” e de Luciano Lira, como Luciano “Delira”, na simulação ao vivo do Maluco Beleza.

O conceito de loucura poderia ser discutido por toda a eternidade, mas as divagações terminam por aqui, para que se evite um outro sentido da palavra em questão: "tudo que foge às normas, que é fora do comum; grande extravagância". Talvez loucos não sejam Bush e seus amigos. Talvez sejam os que saíram (saem; sairão) de suas casas no mundo todo para protestar contra a guerra, o imperialismo, Bush e seus amigos. Malucos, doidos, pirados talvez sejam o Marquinhos, o seu Sílvio, você. O Francisco, a Silvana, o Luciano, eu. O Aurélio Buarque. Os ouvintes do Maluco Beleza. O Régis, a Rita e o rato que ousou roer a roupa do rei. A Nise da Silveira. Todos que participam do movimento antimanicomial. Os que buscam alternativas, os que questionam. Os que lutam, os que sonham.

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