30.9.11

A dor de hoje

Nem falo dos que foram diretamente atingidos e possuem marcas visíveis. Mas de todos os outros, os que vieram depois. Como eu. Quem nasceu pós golpe de 64 já veio ao mundo com uma ferida por dentro, pronta pra doer a cada estímulo, a cada história sobre a ditadura militar.

Os anos de chumbo são só um exemplo, são tantas cicatrizes que somos remendo. Nas veias de um povo corre o sangue jorrado por seus antecessores. São marcas feitas pra doer, pra ninguém esquecer. Procure um médico quem nunca sentiu pulsar esse tipo de dor. A dor da escravidão, a dor da tortura, a dor de cada massacre e de cada horror.

* Depois de ver o filme Hoje, de Tata Amaral, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

24.9.11

A dona da cena

Por estas bandas, a chuva não pode simplesmente cair, tem que estrear. Com a dramaticidade de uma ópera. Muda o céu, o ar, o vento, muda a energia. Não-sei-que-bicho aparece, não-sei-que-bicho anuncia. É uma cantora lírica de batom carmim, fica no camarim, só pisa no palco perfeito. O cenário, as luzes, o som. Tudo testado, passado e repassado; tudo faz crer que está na hora. Mas no palco ela não pisa. A água já está na boca, o público agoniza. E ela não pisa.