3.5.11

Cultura no sentido centro-bairro

(Crônica de outubro de 2010)

Parque do Engenho/Metrô Paraíso, Jardim Maria Sampaio/Praça Ramos, Jardim Macedônia/Estação da Luz. Linhas de ônibus lotadas, em que cada centímetro quadrado era disputado a empurrões e cotoveladas em duas porções diárias: de manhã e no fim da tarde. Essas três – e mais algumas – me levavam do Campo Limpo, região sudoeste ou, conforme a classificação no mapa, extremo sul da cidade de São Paulo, à região central, mais especificamente à Avenida Paulista e à Avenida da Consolação, meus principais destinos por causa de estudo e trabalho.

A travessia para o centro era feita por um longo caminho quase em linha reta: Estrada do Campo Limpo, Av. Dr. Francisco Morato, Ponte e Av. Euzébio Matoso, Av. Rebouças e, enfim, Av. Paulista ou Av. da Consolação. Algumas linhas tinham outra rota, pegavam a Rua Butantã, o Largo de Pinheiros, a Teodoro Sampaio, a Dr. Arnaldo. Provavelmente, ter mais de uma opção de caminho era para não matar de tédio quem precisava se locomover todos os dias para a região central, medida importante, pois uma coisa é só estar de pé, esmagado e com falta de ar, outra coisa é estar de pé, esmagado, com falta de ar e entediado.

Segundo a pesquisa DNA Paulistano, do Datafolha (2008), 43% dos moradores do Campo Limpo utilizam ônibus para chegar ao trabalho. Mas lembrando de como eram aqueles ônibus de manhã, só posso acreditar que há alguma coisa errada na pesquisa, e olha que nem é pesquisa eleitoral.

Bem, mas o leitor pode argumentar que esta crônica deveria ser sobre cultura, e não sobre transporte público. Então vamos aos dados: em 2009 havia 16 salas de cinema na subprefeitura do Campo Limpo, até 2006 eram 11 e antes de construírem um shopping provavelmente não tinha nenhuma. Enquanto isso, na subprefeitura da Sé em 2009 eram 53 salas, na de Pinheiros 45 e na da Vila Mariana 19. Em 2006 eram respectivamente 54, 35 e 19 salas nessas regiões. Lembrando que a Av. Paulista (e região) é loteada por essas três subprefeituras.

Quanto a centros culturais e salas de cultura, em 2006 não havia nenhuma unidade no Campo Limpo e em 2009 passou a ter uma, contra 22 na subprefeitura da Sé, 14 na de Pinheiros e 6 na da Vila Mariana. Acho que esses dados já bastam, nem preciso citar os de teatros, museus e casas de shows. Mas se o leitor se interessar, pode acessar o Observatório Cidadão Nossa São Paulo e conferir a diferença ponto a ponto.

Deu pra entender a relação entre transporte e cultura para um morador do Campo Limpo, não deu? As linhas que me levavam para o trabalho eram as mesmas que me levavam à oferta cultural de São Paulo, especialmente aos cinemas Belas Artes, Espaço Unibanco e Cinesesc, ao Teatro da Fiesp, ao Itaú Cultural, ao Centro Cultural Vergueiro, ao Tusp e a algumas unidades do Sesc. Para chegar ao Memorial da América Latina era preciso pegar outro ônibus, Barra Funda/Jardim Helga, o mais desconfortável de todos.

Com o passar do tempo, depois de entrar para um grupo de teatro no Taboão da Serra (cidade colada ao Campo Limpo), fui descobrindo que não era só nas regiões centrais que havia programação cultural interessante. Percebi que dava para descer do ônibus antes ou seguir pelo sentido contrário, mais para o extremo sul. E em alguns lugares dava até para ir a pé.

Foi uma experiência transformadora. Descobri que existe uma rede de artistas da periferia de São Paulo e de Taboão da Serra que se encontra em lugares como o Sarau da Cooperifa, o Sarau do Binho, o Espaço Clariô de Cultura, o Bar do Mucho e tantos outros espaços que não entram nas estatísticas da cidade. Uma rede de rappers, grupos de teatro, poetas, músicos que produzem cultura ali mesmo, no extremo sul. E que conseguem fazer com que as pessoas peguem o caminho contrário ao usual: do centro para o bairro, do centro para a periferia.

Hoje, as linhas de ônibus citadas já não existem, foram substituídas por outras, ainda lotadas. Eu já não moro no Campo Limpo, já não frequento muito os espaços culturais do extremo sul e meu principal meio de transporte é o metrô. Mas as redes de cultura da periferia seguem firme, se fortalecem. Não são só passado, são presente, são futuro.

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